domingo, 21 de outubro de 2012

Sentimentos Diversos

Meu nome é Kazumi e faço parte de um mundo sonhador e misterioso. Eu valorizo os aspectos simples e verdadeiros da vida, como as lembranças. Elas, com toda a sua vaidade, apresentam para o espelho do presente a origem dos meus valores e meus defeitos. Partindo desse princípio, é inevitável bloquear as recordações de uma época cuja dor se confundiu com a vontade de sorrir. É um sentimento abstrato e de díficil compreensão, porém necessário. Eu sou incapaz de expressar meus sentimentos pela fala, pois a comunicação é um dom permeável aos que alimentam um espírito espontâneo; logo, eu necessito do papel para salvar as minhas ideias e o meu ego da opressão do silêncio. Caros leitores, não se assustem com as minhas fraquezas, afinal elas são uma condição peculiar do coração, uma categoria, uma dimensão que só se liberta na solidão.
    Há dois anos, eu trabalhava em uma empresa especializada em atendimento ao cliente e deixava o ambiente de trabalho entre meia-noite e uma hora da manhã. Eu detestava caminhar pela cidade naquele horário, mas era o único percurso até a minha casa. O caminho era obscuro, sujo, e cheio de pessoas jogadas ao chão se misturando aos restos de comida e vermes. Era impossível diferenciar homens de animais. Certo dia, passando pela mesma via caótica, me deparo com uma família padrão: pai, mãe e dois filhos; observei as crianças chorando e os pais desesperados.
    Eu me aproximei daquelas pessoas com a intenção de ajudar, pois era inevitável não notar no sofrimento delas. Durante o diálogo que eu iniciei, descobri fatos deploráveis. As crianças não se alimentavam há três dias, pois os pais eram catadores de lixo, mas ultimamente não estavam conseguindo dinheiro suficiente para se alimentarem. Eu me emocionei com a fala dos pais e, como eu tinha alguns biscoitos na mochila, dei as crianças para comerem. Aquele senhor ficou tão comovido com a minha atitude que não teve forças para demonstrar gratidão. Eu não me importei e sentei junto a eles o resto da noite. Pela manhã, me despedi e continuei trilhando meu caminho. Contudo, meus pensamentos ainda estavam parados no semblante de tristeza daquelas pessoas.
     Esse fato aconteceu em uma época em que a principal doutrina era o consumismo; era o período natalino. Talvez não haja momento mais hipócrita, com mesas fartas, orações orientadas pela pena, sentimentos altruístas e descartáveis do que esse. A opinião expressa se deve a seguinte questão: as pessoas se reunem, organizam-se em círculos para fazer seus pedidos e agradecimentos, cumprimentam-se, trocam presentes, comem, bebem, pregam a paz e a solidariedade. Porém, essa harmonia só acontece naquele dia. O mundo não funciona somente no Natal. As crianças necessitam de carinho e atenção a todo instante e os necessitados passam fome e sentem frio todos os dias. Eu queria acordar, olhar o mundo e poder ver a solidariedade como sendo a maior fonte de riquezas do homem.
     Somos pessoas impotêntes e paralíticas diante das adversidades que não danificam a nossa realidade e construimos um mundo restrito pelo interesse apenas para alimentar determinados status. Considero que os bens mais importantes são as pessoas que estão aqui e agora, pois a amizade é um amor que nunca morre. O materialismo cegou a humanidade. Talvez se a sociedade não fosse tão egoísta, egocêntrica e materialista, as mazelas do mundo não existissem. Tenho um passado marcado por falhas, angústia e dor, pois sempre caminhei errado e meu destino é incerto. Ao passar e ver aquela família, não pude ignora-los. Dessa forma, naquele momento, eu tentei ser diferente e assumi a responsabilidade de dar aquelas pessoas um pouco de atenção. Eu não pretendia ver o que eu vi, mas aconteceu. Essa era a minha realidade e eu não fugi, pois isso não atenuaria minha dor.